Princípios Gerais sobre os Contratos Duradouros Essenciais à Existência da Pessoa(PT)
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Contratos duradouros essenciais à existência da pessoa.
1.1. Os contratos duradouros essenciais à existência da pessoa são relações sociais que têm por objecto proporcionar ao indivíduo os bens, os serviços, o trabalho e os rendimentos necessários para a sua auto-realização e para a sua participação na vida social.
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Dimensão humana.
2.1. O ponto central do regime dos contratos duradouros essenciais à existência da pessoa deve ser o indivíduo, na sua concreta realidade material e moral .
2.2. O direito deve preocupar-se em disciplinar a conclusão do contrato e as relações de cooperação entre as partes, conformando-as para proteger e para promover o desenvolvimento da pessoa humana.
2.3. Em especial, o direito deve preocupar-se em garantir que o desenvolvimento da pessoa humana não seja nem comprometido, nem sequer deformado, por relações de poder .
2.4. Ao fazê-lo, deve ter em conta que o desenvolvimento de cada indivíduo pressupõe relações pessoais particularmente significativas , entre as quais estão as relações familiares.
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Dimensão temporal (duração).
3.1. A confiança de ambas as partes na continuidade da relação contratual deve ser protegida.
3.2. Em regra, a cessação antecipada do contrato por acto unilateral de uma das partes não deve ser permitida. Exceptua-se os casos em que a cessação antecipada é necessária para garantir um mínimo de liberdade de acção e de decisão .
3.3. Se a cessação antecipada do contrato for permitida, só deverá produzir efeitos para o futuro, não abrangendo as prestações já realizadas.
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Contratos coligados.
4.1. Os contratos duradouros essenciais à existência da pessoa integram-se em redes de contratos, ligados entre si. O legislador e o juiz devem apreciar e resolver os problemas por si suscitados considerando sistematicamente a ligação entre todos os contratos integrados na rede .
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O dever de consideração da pessoa do consumidor ou do trabalhador .
5.1. O facto de alguém colocar à disposição de outrem bens ou serviços necessários à satisfação das necessidades essenciais, relacionadas com o consumo ou com a habitação , ou de alguém colocar à disposição de outrem uma quantia em dinheiro, [no quadro de uma relação de crédito ou de uma relação de trabalho,] implica um dever de protecção da pessoa do consumidor ou da pessoa do trabalhador, como partes mais fracas da relação contratual.
5.2. O conteúdo do dever depende das concretas circunstâncias físicas, psicológicas e sociais da parte carecida de protecção.
5.3. Os instrumentos legais e convencionais, constituídos em processos de composição colectiva de interesses, devem conter disposições imperativas, adequadas à protecção dos interesses materiais e morais do consumidor e do trabalhador.
5.4. Como os contratos podem ter diferentes fins, podem ser de diferente duração ou de diferente tipo, ou podem ter diferente significado para as relações de vida das pessoas atingidas, os instrumentos legais e convencionais devem enunciar os níveis de protecção e de respeito necessários em cada caso.
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O dever de consideração do fim do contrato.
6.1. Aquele que colocar à disposição de outrem dinheiro , bens ou serviços necessários à satisfação de necessidades essenciais, deve abster-se de todos os comportamentos que possam pôr em perigo o fim do contrato , a fruição do dinheiro, ou dos bens, ou dos serviços prestados , ou o significado social da relação .
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Dimensão colectiva. Aspectos procedimentais e substantivos.
7.1. [Os contratos duradouros essenciais á existência da pessoa têm uma dupla dimensão colectiva.]
7.2. Os consumidores e os trabalhadores têm o direito de exigir do Estado o reconhecimento de sistemas colectivos de representação (associações de consumidores ou associações sindicais).
7.3. [Independentemente da representação dos seus interesses,] os consumidores e os trabalhadores têm o direito de exigir do Estado o reconhecimento e o respeito pelos sistemas de valores colectivos, como aqueles que são designados pelos conceitos de boa fé e de bons costumes .
7.4. Os sistemas de valores colectivos devem aplicar-se em todas as fases da relação contratual, desde o acesso aos bens e serviços, à conformação do contrato, à sua adaptação / modificação e à sua extinção.
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Acesso, mediante o contrato, aos bens e serviços essenciais à existância da pessoa.
8.1. Aquele que propõe a conclusão de contratos duradouros essenciais à existência da pessoa deve abster-se de qualquer discriminação entre pessoas ou entre grupos de pessoas em função das suas características pessoais e sociais.
8.2. Este dever aplica-se a todas as fases do processo contratual — tanto ao momento em que se anuncia o contrato, publicitando a proposta, como ao momento em que o contrato se conclui ou se extingue. Aquele que propõe a conclusão do contrato deve, designadamente, abster-se de qualquer discriminação ao definir as categorias de destinatários da proposta , dificultando o acesso aos bens e aos serviços prestados, no quadro de uma operação de consumo, ou as possibilidades de obtenção de rendimento, no quadro de uma relação de trabalho .
8.3. Este dever aplica-se ainda a todas as formas de discriminação — tanto à discriminação relativa a grupos, como à discriminação relativa a membros individuais de um grupo.
8.4. O significado dos contratos em causa para a satisfação das necessidades primárias da pessoa humana, como a habitação, o trabalho e a participação na vida económica e na vida social , exige o reconhecimento de um direito fundamental ao acesso, mediante contrato , a tais bens ou à prestação de tais serviços .
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Correspectivo (preço ou remuneração)
9.1. A prestação e a contraprestação não devem ser gravemente desproporcionadas ; não devem encontrar-se entre si numa grosseira não relação.
9.2. O preço dos bens ou serviços prestados deve ser determinado de acordo com critérios transparentes.
9.3. [Estando em causa o acesso a bens ou a serviços essenciais à satisfação das necessidades primárias da pessoa humana], o preço deve ser acessível , não discriminatório e proporcionado aos custos [de produção] .
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Adaptação ou modificação do contrato
10.1. Se as circunstâncias sócio-económicas pressupostas pelas partes como fundamento da conclusão do contrato não se verificarem, havendo uma grave divergência entre a realidade e a representação de que as partes partiram, o conteúdo dos contratos duradouros essenciais à existência da pessoa deve ser adaptado ou modificado.
10.2. A divergência pode referir-se às circunstâncias presentes ou às circunstâncias futuras (error in futurum) e deve ser tão grave que, se as partes tivessem uma representação exacta da realidade, não teriam concluído nenhum contrato, ou teriam concluído um contrato de tipo ou de conteúdo diferente.
10.3. Ao apreciar-se a gravidade da divergência entre a realidade e a representação, deve atender-se ao fim do contrato, à distribuição legal ou contratual do risco e ao significado social da relação .
10.4. O conteúdo do contrato só deve ser adaptado ou modificado desde que a subsistência da relação contratual, sem qualquer alteração ou modificação, seja inexigível.
10.5. Ao avaliar-se a exigibilidade ou inexigibilidade da subsistência da relação contratual, deve atender-se, designadamente, aos aos deveres fundamentais de uma pessoa humana .
10.6. O consumidor ou o trabalhador devem estar em condições de cumprir os seus deveres fundamentais, como, por exemplo, o dever de assistência aos seus familiares, assegurando-lhes alimento, vestuário e habitação .
10.7. As regulamentações colectivas, alcançadas através dos sistemas de representação dos interesses dos consumidores e dos trabalhadores, devem ter prioridade sobre os resultados de uma adaptação ou de uma modificação individual.
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Cessação antecipada do contrato.
11.1. A cessação antecipada dos contratos duradouros essenciais à existência da pessoa, [através de denúncia ou de revogação por acto unilateral,] deve ser feita de uma forma transparente, controlável e socialmente aceitável. Caso seja feita contra a contra a vontade do consumidor, do locatário ou do trabalhador , deve representar-se como uma medida extrema (ultima ratio).
11.2. O acto unilateral, por que se faz cessar o contrato, deve ser fundamentado e as razões comunicadas para fundamentar a cessação do contrato devem ser verdadeiras, adequadas e justas, não podendo em caso algum ser razões discriminatórias ou ter resultados discriminatórios.
11.2.1. O empregador, o fornecedor de bens ou o prestador de serviços só pode fazer cessar o contrato contra a vontade do consumidor ou do trabalhador desde que tenha razões relacionadas (i) com as circunstâncias pessoais da contraparte — designadamente, com as suas condições físicas —, (ii) com o comportamento do consumidor ou do trabalhador, tão grave ou tão significativo que justifique uma ruptura, ou (iii) com as suas próprias circunstâncias económicas e financeiras.
11.2.2. As circunstâncias económicas ou financeiras do empregador, do fornecedor de bens ou do prestador de serviços só podem ser invocadas como fundamento desde que os custos ou os esforços exigidos para que a relação contratual continue sejam desproporcionados ou excessivos , [colocando em causa sustentabilidade económica e financeira da operação de consumo ou da relação de trabalho ].
11.3. Sempre que o fundamento da cessação antecipada do contrato sejam as circunstâncias económicas ou financeiras do empregador, do fornecedor de bens ou do prestador de serviços, deve procurar-se a (re)composição do equilíbrio de interesses através dos sistemas de representação coletiva. O procedimento deve dar aos consumidores, aos trabalhadores e aos seus representantes uma oportunidade razoável para apresentarem as suas razões, proporcionando-lhes o tempo suficiente para fazerem propostas que evitem a cessação antecipada do contrato ou que, não evitando a cessação, atenuem as suas consequências / os seus efeitos.
11.4. Em todos os casos em que a cessação antecipada no contrato se dê no seu interesse, o empregador, o fornecedor de bens ou o prestador de serviços fica adstrito a deveres de protecção para com o consumidor ou para com o o trabalhador ; deve considerar, com toda a diligência , os direitos e os interesses do consumidor ou do trabalhador. Em particular, deve dar-lhe um período de tempo adequado para se preparar para o termo da relação contratual.
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Comunicação.
12.1. Em todas as fases da relação contratual, desde que a preparação do contrato tem o seu início, com a entrada em negociações, até ao momento em que a execução do contrato tem o seu fim, devem as partes comunicar entre si.
12.2. A comunicação entre as partes deve ser directa e pessoal e deve ter lugar, designadamente, antes de qualquer acto unilateral relativo ao contrato (com a sua adaptação, a sua modificação ou a sua resolução).
12.3. O diálogo deve basear-se na igualdade; deve ser um diálogo entre iguais, conforme aos princípios da confiança e da cooperação construtiva, orientado objectivamente para a plena realização do fim do contrato.
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Informação e transparência.
13.1. Em todas as fases da relação contratual, desde que a preparação do contrato tem o seu início, com a entrada em negociações, até ao momento em que a execução do contrato tem o seu fim, e mesmo depois desse momento, o empregador, o fornecedor de bens ou o prestador de serviços , deve dar ao consumidor ou ao trabalhador informações verdadeiras, completas, atempadas e compreensíveis sobre todas as circunstâncias relevantes para a relação contratual.
13.2. O conteúdo do dever de informação deve concretizar-se, atendendo aos interesses do consumidor ou do trabalhador e ao fim de corrigir as assimetrias informacionais que possam subsistir entre as partes.
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Mínimo de participação na vida económica [mínimo de existência] .
14.1. [O consumidor ou o trabalhador não pode ser privado de um mínimo de participação na vida económica.]
14.2. Os contratos que atingirem os rendimentos do consumidor ou do trabalhador, seja por lhe darem acesso a um rendimento regular, tornando-o disponível em determinadas circunstâncias de tempo e de lugar, seja por lhe tirarem o acesso a tal rendimento, entregando-o ao fornecedor de bens ou ao prestador de serviços, devem proporcionar à pessoa humana o mínimo necessário para a sua subsistência.
14.3. O Estado deve conformar as suas leis de forma a proteger os consumidores e os trabalhadores contra os riscos de exclusão da vida económica, designadamente no quadro dos processos de execução, de pré-insolvência ou de insolvência.
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Mínimo de participação na vida social.
15.1. [O consumidor ou o trabalhador não pode ser privado de um mínimo de participação na vida social.]
15.2. No momento da conformação individual e colectiva , como no momento da sua interpretação dos contratos duradouros essenciais à existência da pessoa , deve considerar-se adequadamente os riscos de exclusão social da pessoa do consumidor ou do trabalhador.
15.3. No momento da conformação, como no momento da intepretação do contrato, deve considerar-se, designadamente, os riscos de falta de emprego, de falta de habitação ou de sobreendividamento, relacionando-os com as suas causas sócio-económicas .
15.4. Os princípios e as regras de direito privado por que se pretende prevenir o perigo de exclusão social devem ser completados pelos princípios e pelas regras de direito público.
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Confidencialidade.
16.1. Os dados pessoais facultados durante um contrato duradouro essencial à existência da pessoa, como os juízos de valor proferidos com base nos dados pessoais assim facultados, devem ser tratados confidencialmente e só podem ser usados no quadro da realização do fim do contrato .